segunda-feira, janeiro 28, 2008

Eternuridades



Como diria Borges, em toda a sua doce simplicidade, "não te quero para amar, quero-te para sonho". Como a morte que se ergue na sombra abandonada que liga o corpo à desfocada memória a que nos agarramos para segurar a vida e fingir a felicidade. É lá, no interior húmido dos sentidos, que se cobre de pó o sorriso do teu rosto, e se acende o frémito de uma lágrima lenta que procura o imenso vazio que tudo despedaçou. O amor é sempre tão débil, tão breve e ténue. Sonho em que me mantenho em vigília, sozinho a encarar a morte num tempo de inutilidades. E tu és as minhas horas. Profundo abandono em silêncio quebrado de não lembrar mais. De não lembrar mais nada. Nem as sílabas agarradas ao peito, nem as sementes sagradas no corpo devassado, nem a vida quase toda. Mas és ainda, neste vício suportável de te escrever, urgência nos pulsos, insónia dos dias, lume das veias, início da solidão no misterioso texto de intactas certezas. Aceito aqui tudo o que não vês, tudo o que não me dizes ver, tudo o que nunca me disseste ter visto; aceito aqui o meu único presságio: viver sozinho entre o fluxo dos gritos.

4 comentários:

Anónimo disse...

"neste vício suportável de te escrever"

Back to the old good days my dear friend

Anónimo disse...

Espantoso! Muitos parabéns

Anónimo disse...

já se esvrevia qualquer coisa não?

A.S. disse...

De facto, já! Mas dormir é ainda uma prioridade.

Abraço e obrigado!