Ela tem tudo, disse-te antes.
(...)
Contemplativa, os seus ressoares são exemplo disso. Não uma contemplativa qualquer, como eu, impedido de acção, mas antes alguém que, por opção, escolheu a via da sageza que passa pelo ameno contemplar das coisas. E, como disse já antes também mas deverei repetir, é uma daquelas pessoas raras que, ao grande ruído do mundo que a rodeia, preferiu mergulhar no espaço interrogativo da sua própria solidão, apetrechando-se, para o fazer, da sua única capacidade de considerar a contemplação como processo interior do acto criativo.
(...)
Queria perceber todo o seu percurso longamente individualizado, num olhar que o tempo tornou mais pessoal, mais intimista e mais secreto. Um olhar que adivinha paulatinamente as camadas sucessivas do real, que o interroga e que suspeita diante das suas formas instituídas.
(...)
Num mundo cada vez mais simplificado, que caracteriza também a circulação actual da cultura, ela vem opor, como se a ignorasse, um outro, de carácter muito mais artesanal e reflexivo, mas elaborado através de contornos que tendem para a complexificação dos processos imaginários e, portanto, para acompanhar a sobreposição de ecrãs com que nossa consciência escuta o mundo. Ela desdobra-se infinitamente na vontade de compreender o mundo, abrindo-se tantas vezes a conjugar, em termos inesperados, o que imediatamente antes me parecia insusceptível de ser conjugado.
(...)
Ela não é só memória é imagem perpetuada, imagem densamente contemplada num pulsar discreto que ultrapassa a voragem das acelerações do tempo e onde o real aos poucos acaba por se dissolver.
(...)
Simplesmente espero dela, como se secreta e ingenuamente, um vulto de esperança que rime em sensibilidade com ela própria. Tal como antes fora surpreendido ao encontro de outros rostos que me devolvessem, em reflexo de identificação, no sofrimento mais do que na alegria, o meu próprio. Busco agora mais amplamente já que são raros os olhares que nos devolvem o nosso: como se de arenas do sentir se tratasse.
(...)
Ela é uma árvore de Constable. O seu rosto pintado é um estado de espírito só assim tornado possível de fixar. Fosse ele, o rosto, gizado com o celestial toque dos deuses e não teria mais incursões sobre um erotismo difuso que lhe percorre as feições; não seria também straight photography nem obsessiva fixação do real, mas antes pergunta demorada que se constitui como elaboração de lenta urdidura que prefere o reflexivo ao expositivo. Ela é, o seu rosto é, a sua palavra é, o seu gesto é, a desconfiança melancólica a esmagar a imediatidade.
«O que sempre te fascinou foi a proveniência das coisas. Dos objectos e das pessoas. Quanto mais improvável te pareça a origem mais denso e fundo constróis o enigma. Não te estranho sempre nessa dor sentida duma aparência imaginada tão resignado que estás com o real, pelo próximo e pelo visível. Ela é a tua revolução, ela é a tua dignidade a erguer-te os ossos, ela é os ângulos das cidades tristes de que tanto gostas, ela é as ruas e vielas que te deram lugar. Ela é o depois, por via de ocupações desenfreadas, em espaços medonhos de alegria e inabitáveis de luz com quotidianas cenas de breve amor passando com um barco lento na margem de uma história que sabias não ser a tua. Tu és paisagem, nessas imagens, a ficar lembrada, fundo apagado para quem possa querer lembrar-se. Enquanto isso, pergunto-te: esperas o sinal de uma íntima revelação?»
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Contemplativa, os seus ressoares são exemplo disso. Não uma contemplativa qualquer, como eu, impedido de acção, mas antes alguém que, por opção, escolheu a via da sageza que passa pelo ameno contemplar das coisas. E, como disse já antes também mas deverei repetir, é uma daquelas pessoas raras que, ao grande ruído do mundo que a rodeia, preferiu mergulhar no espaço interrogativo da sua própria solidão, apetrechando-se, para o fazer, da sua única capacidade de considerar a contemplação como processo interior do acto criativo.
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Queria perceber todo o seu percurso longamente individualizado, num olhar que o tempo tornou mais pessoal, mais intimista e mais secreto. Um olhar que adivinha paulatinamente as camadas sucessivas do real, que o interroga e que suspeita diante das suas formas instituídas.
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Num mundo cada vez mais simplificado, que caracteriza também a circulação actual da cultura, ela vem opor, como se a ignorasse, um outro, de carácter muito mais artesanal e reflexivo, mas elaborado através de contornos que tendem para a complexificação dos processos imaginários e, portanto, para acompanhar a sobreposição de ecrãs com que nossa consciência escuta o mundo. Ela desdobra-se infinitamente na vontade de compreender o mundo, abrindo-se tantas vezes a conjugar, em termos inesperados, o que imediatamente antes me parecia insusceptível de ser conjugado.
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Ela não é só memória é imagem perpetuada, imagem densamente contemplada num pulsar discreto que ultrapassa a voragem das acelerações do tempo e onde o real aos poucos acaba por se dissolver.
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Simplesmente espero dela, como se secreta e ingenuamente, um vulto de esperança que rime em sensibilidade com ela própria. Tal como antes fora surpreendido ao encontro de outros rostos que me devolvessem, em reflexo de identificação, no sofrimento mais do que na alegria, o meu próprio. Busco agora mais amplamente já que são raros os olhares que nos devolvem o nosso: como se de arenas do sentir se tratasse.
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Ela é uma árvore de Constable. O seu rosto pintado é um estado de espírito só assim tornado possível de fixar. Fosse ele, o rosto, gizado com o celestial toque dos deuses e não teria mais incursões sobre um erotismo difuso que lhe percorre as feições; não seria também straight photography nem obsessiva fixação do real, mas antes pergunta demorada que se constitui como elaboração de lenta urdidura que prefere o reflexivo ao expositivo. Ela é, o seu rosto é, a sua palavra é, o seu gesto é, a desconfiança melancólica a esmagar a imediatidade.
«O que sempre te fascinou foi a proveniência das coisas. Dos objectos e das pessoas. Quanto mais improvável te pareça a origem mais denso e fundo constróis o enigma. Não te estranho sempre nessa dor sentida duma aparência imaginada tão resignado que estás com o real, pelo próximo e pelo visível. Ela é a tua revolução, ela é a tua dignidade a erguer-te os ossos, ela é os ângulos das cidades tristes de que tanto gostas, ela é as ruas e vielas que te deram lugar. Ela é o depois, por via de ocupações desenfreadas, em espaços medonhos de alegria e inabitáveis de luz com quotidianas cenas de breve amor passando com um barco lento na margem de uma história que sabias não ser a tua. Tu és paisagem, nessas imagens, a ficar lembrada, fundo apagado para quem possa querer lembrar-se. Enquanto isso, pergunto-te: esperas o sinal de uma íntima revelação?»
3 comentários:
Algo que eu gostava de ter escrito: "Ela é a tua revolução".
Repito e é perfeito. Bastava. =)
Podes repetir e usar à vontade! Eu até agradeço! :-)
Boa noite,
Fiquei com a ideia d'ela e gostei da ideia d'ela.
Obrigada por uma escrita tão boa, um pensamento tão preciso, vou ler mais...
Stella
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