segunda-feira, agosto 13, 2007

"I can't live my life this way"

Fui gastar parte dos quase 400 euros que recebi do IRS do ano passado na melhor livraria do país. Agora que sabem que sou um homem de fartíssimos ordenados e que vos relembrei o dom que tenho para gerir o dinheiro que vou sofregamente ganhando, quero falar-vos rapidamente de A Estrada de Cormac McCarthy editado pela Relógio d'Água - a mesma que nos dá Bukowski em Português. Cormac McCarthy tornou-se recentemente numa espécie de Saramago pós-Nobel depois de ter sido citado pela preta que quer salvar o mundo no seu programa homónimo. Pronto, falo da dona de casa mais bem sucedida de sempre; a Oprah. Felizmente, já o tinha lido antes, caso contrário era certinho que não lhe pegava nem a tiro. Esta atitude diz muito de mim. Sou um gajo preconceituoso, eu admito. Não me refiro a questões raciais, sexuais ou de género. Nada disso. Falo de coisas fulcrais. Sou preconceituoso no modo com olho as pessoas nos olhos e as recrio e as imagino na minha cabeça. Sou preconceituoso no modo como vasculho as pessoas sempre com o intuito de encontrar algo que me agrade. Sou preconceituoso no modo como me convenço de que quase todos gostam do mesmo e de que quase todos estão tão longe daquilo que eu gosto. Ainda assim, mesmo admitindo já o conceito que tenho da Oprah, acredito que a mesma não faz a mais pequena ideia de McCarthy. Provavelmente terá interpretado as tiradas de amor do filho pelo pai numa espécie de reencarnação americana do Paulo Coelho. Estou certo que não foram a barbárie e crueldade poéticas que as personagens são forçadas a enfrentar no dia a dia que a convenceram a apresentar McCarthy às efusivas e choramingas mulheres da plateia - sim, já vi o programa. Bom, mas deixemos os meus monstrinhos em paz e falemos do livro.

A Estrada é um baluarte da distopia aterradora que nos assola enquanto civilização. Em cada parágrafo se dinamizam os elementares axiomas inaugurais, em cada ensejo presente tudo converge, ora aproximando-se do apagamento ora da cintilação, da cândida mão que brinca e cada vez mais a morte erguendo-se como mira, alvo, circunstância cénica, capa de caderno que se fecha, onde tudo se apaga e ainda fulge uma irresoluta luz. Num estilo seco e conciso, McCarthy crava as suas palavras - manchas de sombra de luz - num mundo que se torna um palco improvável onde os movimentos e os destinos não se esgotam. Em McCarthy, as cicatrizes são gestos encantados de amor, rasto de ferrugem na pele destacado pela violência da solidão.

1 comentário:

Anónimo disse...

não conheço o autor. mas vou confiar em ti e vou lê-lo.