segunda-feira, agosto 13, 2007

Ela que (fundo) me sulca de sombra em sombra

Eu: Falei-te em tempos da coisa que se esconde dentro de mim e que é tudo o que eu sinto. Queria dizer que esta "coisa" está infinitamente ligada a ti. No último limite do infinito. Assim, como promessa de criança. Gosto de ti milhões de infinito. Todos os números. Nesta "coisa" que se passeia nos cantos mais secretos de mim, onde guardo a tristeza do fim de toda a esperança, há a luz que lava as nódoas do mundo, como a voz rouca que amanhece depois de uma noite ao relento. Esta "coisa" é a pele do teu corpo nu, desamparado e despojado. Esta "coisa", que transformaste em palavras agarradas aos teus lamentos como quando, imagino eu, passas o dedo indicador pelo umbigo e seguras nos sonhos as imagens que a memória já perdeu, é o teu nome a ressoar nas lágrimas que me cortam os olhos. Nunca te vi, mas esta "coisa" diz-me que és demasiadamente bela para o mundo onde caminham as nossas sombras entre outras sombras. Nunca te ouvi, mas esta "coisa" diz-me que há um silêncio arrastado que antecede a tua voz, como se soubesses todas as respostas para as perguntas do mundo, mas ainda acreditasses na palavra que te fizesse cair na eternidade do amor. Nunca te senti, mas esta "coisa" diz-me que o teu corpo fino nos meus braços duros seria como se o Sol se transformasse na luz da Lua que substitui o candeeiro dos escritores sonâmbulos. Esta "coisa" faz-me acreditar em ti. Acredito em ti sem conseguir imaginar o contrário. Fé absoluta, sem negação. Esta "coisa" em que eu acredito é um reflexo perfeito de uma certeza. Esta "coisa" faz-me imaginar que, apesar da vida condensada e repetida, caminhas sempre com os olhos muito vivos e em silêncio com os teus passos, como se procurasses o rosto de um deslumbramento que te diga que há alguma "coisa" verdadeira a existir. Uma "coisa" que nasce. Uma "coisa" verdadeiramente profunda que te atravessa até chegar onde nunca imaginaste. Uma "coisa" que explica os mistérios mais incríveis como algo de verdadeiro. Um rosto que saiba ler as cores do arco-íris e que tenha uma explicação simples da vida. Alguém que ame em troca de nada. Alguém que seja a revelação clara de que a "coisa" não é uma alucinação poética, um desvario metafórico ou o enredo de um filme impossível. A "coisa" é uma voz que só nós entendemos dentro de nós. A "coisa" é maior do que todas as palavras de todas as línguas de todas as pessoas do mundo. A "coisa" só cabe no teu corpo. O teu corpo é a voz da "coisa". Respiração pausada enterrada sob a chuva, planta que cresce só de ouvir os ruídos dos cadáveres, luz do Sol muito longe no céu limpo e puro. A "coisa" és tu. Memória de um lugar infinito de um amor de grandeza insuportável onde os meus dedos gostavam de poder passar lentamente. És "coisa" sonhada que rodeio de silêncio para me transformar todo em palavras.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito deste texto.

"Queria dizer que esta "coisa" está infinitamente ligada a ti. No último limite do infinito. Assim, como promessa de criança. Gosto de ti milhões de infinito. Todos os números."

"onde guardo a tristeza do fim de toda a esperança"

"Esta "coisa", que transformaste em palavras agarradas aos teus lamentos como quando, imagino eu, passas o dedo indicador pelo umbigo e seguras nos sonhos as imagens que a memória já perdeu, é o teu nome a ressoar nas lágrimas que me cortam os olhos." (esta consegui perceber...)

"Nunca te ouvi, mas esta "coisa" diz-me que há um silêncio arrastado que antecede a tua voz, como se soubesses todas as respostas para as perguntas do mundo, mas ainda acreditasses na palavra que te fizesse cair na eternidade do amor."

"Esta "coisa" em que eu acredito é um reflexo perfeito de uma certeza."

"caminhas sempre com os olhos muito vivos e em silêncio com os teus passos, como se procurasses o rosto de um deslumbramento que te diga que há alguma "coisa" verdadeira a existir." (destaco os "olhos muito vivos", pode ser?)

"A "coisa" é maior do que todas as palavras de todas as línguas de todas as pessoas do mundo."



Uma coisa que cabe num corpo fino de olhos muito vivos de alguém que ouve os ruídos dos cadáveres. PARABÉNS!! Óptima descrição.

abraço

M.A.

Sónia Balacó disse...

Isto é muito bom: "És "coisa" sonhada que rodeio de silêncio para me transformar todo em palavras."

A.S. disse...

"Uma coisa que cabe num corpo fino de olhos muito vivos de alguém que ouve os ruídos dos cadáveres."

m.a., óptima síntese! :-)