Conheci uma rapariga. A quem pensei falar de mim. Desenvolvo sempre esta perspectiva, embora secretamente estruturada, de que consigo granjear a confiança alheia se lhes mostrar os caminhos ou atalhos por onde enveredo. Um quase-profetismo angustiado. Uma domesticação da partilha, se quiserem. Quase sempre julgo saber o que dizer. Não me estou a tentar fazer passar por conquistador (nem adiantaria, diga-se...). Aliás, a meu ver, essa é a minha verdadeira tragédia: saber o que dizer. Algo está redondamente mal quando as deixas nos surgem em catadupa. Tal como as desculpas, certo? Somos quase sempre muito eficazes com as desculpas. Tal como o somos quando sabemos o que devemos dizer. O problema, esse com que me deparo, é quando a única coisa que se pode dizer com verdade é o silêncio. E já não lhe tento falar de mim. Quando nos encontramos é como se lhe atribuísse toda a importância ao a tentar negar em todas as coisas. Como se ela desse corpo a um paradoxal combate. Eu quero. Tanto. Mas não sei como. E nego-a. Gratuitamente. Quase em voluntária despretensão. Mas sem a menosprezar. Percebem? Como se quisesse que ela soubesse que em todos os recortes ambíguos do relacionamento social estou apenas a representar o drama fictício das minhas alucinações. Dos meus sonhos. Ela, portanto. E de cada vez que desvio o olhar, de cada vez que encolho as mãos, de cada vez que trinco os lábios estou em constante tensão cénica, em contraste comigo próprio, em contraste com a minha vinculação pessoal. Ela. O meu anónimo sofrimento. Uma seriedade invectivamente acumulada sem a autêntica segunda dimensão dos gestos, das palavras e de tudo o que apenas insinuo. E tudo o que ela faz é exercer violência sobre mim. Como se tudo estivesse no extremo das chagas, em exaltação de requintado pudor. E ela dói-me. Dentro. Fundo. Nas lágrimas altas de pisar as terras calcinadas. E sou rusticamente distraído. Quando na verdade apenas desejo esmagá-la com o excesso de tudo. Das palavras. Do toque. Quero tocar-lhe. Legitimamente. Na esteira do insubornável mistério da primeira vez. Tocar-lhe assim. Em vertigem incansável, em fúria inesgotável, como se soubesse com desconcertante naturalidade que distância nenhuma separa a fábula da vida. Até lá, contraído. Reduzido ao meu corpo, em hermetismo conceptual, vida em dois planos circulares. A luz que me fere e ao mesmo tempo congrega.
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3 comentários:
Lindo!!
Quem me dera ser "ela".hehehehehe
Nao pediste, mas deixo uma dica:nao demores muito!
beijo
pontogi
isto é muito bonito.
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