"A Fábula da Solidão
As últimas coisas por fim. Um dedo que nos alcança todas as feridas e esta paragem cardíaca para pensar. O nosso rosto que se quebra como gelo. O nosso rosto a explodir sob o sol. Ter de escolher entre todas as coisas, as últimas. E abrir o cérebro como quem espreita dentro das flores que deixamos apodrecer nos vasos de casa. A qualquer instante podemos estar ainda mais longe. Sem ninguém onde entrar. Sem ninguém que nos soletre o nome. Nesse momento podemo-nos esquecer de nós. Deixar as nossas entranhas a secar no estendal, como se fossem uma qualquer roupa interior. Os sentimentos são - às vezes - estas meias que já não nos servem há muito.
Em cima de cada cabeça humana estão janelas abertas para todas as outras cabeças humanas. Que não se enganem, são abismos. Cada cabeça humana tem os seus próprios animais insondáveis. Por isso existe a solidão de cada homem. Por isso nunca cheguei a amar-te por inteiro. E por isso tremes quando te mostro o meu corpo cinzento que te será sempre incompreensível. Tal como tremerias diante do teu, se olhasses bem dentro dos espelhos, quando estes mostram mais do que a possibilidade primeira.
Todos nós temos alguém que perdemos e que nunca chegámos a conhecer. Porque há guerras que se fazem demasiado longe para darmos vida àquele que perdemos e que nunca chegámos a conhecer. Porque ele podia ser qualquer um de nós. Podias ser tu e aí eu jamais teria amado, porque serias aquele que perdi e que nunca cheguei a conhecer.
Todos nós somos os livros que alguém deixou por abrir."
As últimas coisas por fim. Um dedo que nos alcança todas as feridas e esta paragem cardíaca para pensar. O nosso rosto que se quebra como gelo. O nosso rosto a explodir sob o sol. Ter de escolher entre todas as coisas, as últimas. E abrir o cérebro como quem espreita dentro das flores que deixamos apodrecer nos vasos de casa. A qualquer instante podemos estar ainda mais longe. Sem ninguém onde entrar. Sem ninguém que nos soletre o nome. Nesse momento podemo-nos esquecer de nós. Deixar as nossas entranhas a secar no estendal, como se fossem uma qualquer roupa interior. Os sentimentos são - às vezes - estas meias que já não nos servem há muito.
Em cima de cada cabeça humana estão janelas abertas para todas as outras cabeças humanas. Que não se enganem, são abismos. Cada cabeça humana tem os seus próprios animais insondáveis. Por isso existe a solidão de cada homem. Por isso nunca cheguei a amar-te por inteiro. E por isso tremes quando te mostro o meu corpo cinzento que te será sempre incompreensível. Tal como tremerias diante do teu, se olhasses bem dentro dos espelhos, quando estes mostram mais do que a possibilidade primeira.
Todos nós temos alguém que perdemos e que nunca chegámos a conhecer. Porque há guerras que se fazem demasiado longe para darmos vida àquele que perdemos e que nunca chegámos a conhecer. Porque ele podia ser qualquer um de nós. Podias ser tu e aí eu jamais teria amado, porque serias aquele que perdi e que nunca cheguei a conhecer.
Todos nós somos os livros que alguém deixou por abrir."
Ana Salomé, Anáfora (2006), p.21
Ter o dom de dizer o que só pode ser dito pela exacta palavra que é escrita. É assim este muito desejado livro, que me foi emprestado durante a madrugada de Sábado. A Sandra fez-me o favor, e sem saber bem porquê sentia que eu ia gostar. Talvez porque a nossa salvação está sempre em descobrir outros que vivem exactamente daquilo que nos faz também viver. E por este blogue já conheci algumas dessas pessoas.
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