e nós em silêncio acordaríamos ao mesmo tempo.
o vento empurrava-se pela chaminé num constante agitar das suas próprias asas. as janelas chiavam e tremiam como as espigas mais maduras. lá fora fazia frio. toda a pureza do frio lá fora. o vento gemia na saudade transparente de alguém. como se chorasse todas as mortes de cada vez que levantava as folhas paradas no chão. lá fora tudo parecia o renascer de uma morte. o frio. o vento. os ruídos do fim do mundo. sem anjos. lá fora as coisas ganhavam um peso diverso, como se a natureza recebesse toda a negrura de todos os rostos tristes. lá fora era perpétuo sofrimento sobre todas as coisas. sombras sobre os objectos numa permanente inquietude onde todo o frio dos dias se concentrou. o dia acabava de invadir a noite. e nada mudara. mil vezes renovado o cenário. na janela desenho o teu rosto sobre a minha própria respiração. faz muito frio lá fora, como se o vento quisesse exercer toda a violência possível sobre o imaginário. o teu corpo ganha a forma do acordar. falo contigo mas ainda dormes. embrulhada em cobertores. falo contigo como quem salta da cama ainda adormecido. pergunto-te se dormiste bem. sorris. como um poema também tu abdicas de dizer. deitei-me novamente. as tuas pernas eram subitamente as minhas. as tuas mãos as minhas. tinha os olhos fechados mas mesmo assim ainda te via. na saudade de uma noite de sono seria normal apenas querer acordar. mas o que tu és já está em mim. o teu corpo em mim. a tua voz em mim. os teus passos no meu caminho. tudo o que sei a ser o teu rosto nos meus olhos. tu a seres a vontade de tirar da morte toda a vida. no repouso do meu corpo estás tu a irradiar de todas as esperas que te antecederam. todas as esperas de uma vida cheia de todos os sonhos mais escuros, cheia de todos os gritos sufocados em todas as gargantas do mundo, cheia de todas as maiores dores de todos os infinitos sem limites, uma vida cheia da tua ausência, um fardo de todas as trevas desde a criação dos infernos. hoje continua a fazer frio lá fora. mas tu estás em mim. este alegre saber são crianças a saltar em milhares de brincadeiras de criança. brincadeiras de quem não sabe que vai morrer. brincadeiras de quem guarda segredos com os melhores amigos e de quem faz juras para toda a eternidade e todo o sempre que continua para lá da eternidade. faz ainda frio lá fora. mas os meus sonhos são claros. como o destino cor de amor dos teus olhos. dois preciosos contornos de mar e céu. faz frio lá fora mas hoje toda a minha vida arde no teu corpo como a lareira que estala as sílabas velhas de todas as mais generosas palavras do mundo. eu amo-te. pensei. e enquanto o pensava tu abrias os olhos a saber antecipadamente o que irias ouvir. tu és tudo em mim. tudo o que me leva para lá dos contactos visíveis. tu és todo o espaço inexplorado nos meus sonhos antigos. tu és um sonho vivido à luz do dia, como interminável palavra a penetrar-me os olhos. todas as palavras mais nuas a encherem-me o sangue de ti e tu a ocupares o centro mais vazio fundo e escuro de mim. lá fora continua frio. pequenas facas cortam a pele de quem desafia o frio que faz lá fora. mas tu estás em mim. e pelos teus ombros bebo agora toda a espessura da vida. tu que também estás em mim conheces agora a minha anterior solidão ignorada. sabes a dor de ser sozinho. a dor de ouvir o sol ecoar neste corpo vazio. tu acordas. abres as janelas. oiço toda a natureza a abraçar-me. a terra viva. na paisagem vejo os corpos de carne e água. já não faz frio lá fora. dizes. ainda em murmúrio. suspiras pousando a tua cabeça no meu peito. ficamos ali como se fosse eternamente naquela espuma de todo o silêncio que abraça o início do amor. em corpo extenso sombra de um corpo a ser sombra do outro. o sol existe. eu vejo o seu rastro. cheira a chama alta a luz forte. pousas o queixo no meu peito, e os teus olhos têm o tamanho de todas as palavras e de todos os números possíveis para descrever o maior amor de mundo. os teus olhos são bonitos de criança que gosta da árida nudez solar. os teus olhos são grandes bonitos cor de mar transparente cor de alma intacta. pousas o queixo no meu peito e dizes. és só tu que me vês. como uma pequena gota, uma sílaba do vento, uma poeira nos sonhos. a isso chama-se amor, sabes? e plenos nos confundimos, sabes? e tu também me amas. dizes segura de ti. porque não é possível escrever sobre amor como se essa experiência não tivesse nunca ocorrido.
e nós fazemos acordar todos os ruídos puros do mundo.
o vento empurrava-se pela chaminé num constante agitar das suas próprias asas. as janelas chiavam e tremiam como as espigas mais maduras. lá fora fazia frio. toda a pureza do frio lá fora. o vento gemia na saudade transparente de alguém. como se chorasse todas as mortes de cada vez que levantava as folhas paradas no chão. lá fora tudo parecia o renascer de uma morte. o frio. o vento. os ruídos do fim do mundo. sem anjos. lá fora as coisas ganhavam um peso diverso, como se a natureza recebesse toda a negrura de todos os rostos tristes. lá fora era perpétuo sofrimento sobre todas as coisas. sombras sobre os objectos numa permanente inquietude onde todo o frio dos dias se concentrou. o dia acabava de invadir a noite. e nada mudara. mil vezes renovado o cenário. na janela desenho o teu rosto sobre a minha própria respiração. faz muito frio lá fora, como se o vento quisesse exercer toda a violência possível sobre o imaginário. o teu corpo ganha a forma do acordar. falo contigo mas ainda dormes. embrulhada em cobertores. falo contigo como quem salta da cama ainda adormecido. pergunto-te se dormiste bem. sorris. como um poema também tu abdicas de dizer. deitei-me novamente. as tuas pernas eram subitamente as minhas. as tuas mãos as minhas. tinha os olhos fechados mas mesmo assim ainda te via. na saudade de uma noite de sono seria normal apenas querer acordar. mas o que tu és já está em mim. o teu corpo em mim. a tua voz em mim. os teus passos no meu caminho. tudo o que sei a ser o teu rosto nos meus olhos. tu a seres a vontade de tirar da morte toda a vida. no repouso do meu corpo estás tu a irradiar de todas as esperas que te antecederam. todas as esperas de uma vida cheia de todos os sonhos mais escuros, cheia de todos os gritos sufocados em todas as gargantas do mundo, cheia de todas as maiores dores de todos os infinitos sem limites, uma vida cheia da tua ausência, um fardo de todas as trevas desde a criação dos infernos. hoje continua a fazer frio lá fora. mas tu estás em mim. este alegre saber são crianças a saltar em milhares de brincadeiras de criança. brincadeiras de quem não sabe que vai morrer. brincadeiras de quem guarda segredos com os melhores amigos e de quem faz juras para toda a eternidade e todo o sempre que continua para lá da eternidade. faz ainda frio lá fora. mas os meus sonhos são claros. como o destino cor de amor dos teus olhos. dois preciosos contornos de mar e céu. faz frio lá fora mas hoje toda a minha vida arde no teu corpo como a lareira que estala as sílabas velhas de todas as mais generosas palavras do mundo. eu amo-te. pensei. e enquanto o pensava tu abrias os olhos a saber antecipadamente o que irias ouvir. tu és tudo em mim. tudo o que me leva para lá dos contactos visíveis. tu és todo o espaço inexplorado nos meus sonhos antigos. tu és um sonho vivido à luz do dia, como interminável palavra a penetrar-me os olhos. todas as palavras mais nuas a encherem-me o sangue de ti e tu a ocupares o centro mais vazio fundo e escuro de mim. lá fora continua frio. pequenas facas cortam a pele de quem desafia o frio que faz lá fora. mas tu estás em mim. e pelos teus ombros bebo agora toda a espessura da vida. tu que também estás em mim conheces agora a minha anterior solidão ignorada. sabes a dor de ser sozinho. a dor de ouvir o sol ecoar neste corpo vazio. tu acordas. abres as janelas. oiço toda a natureza a abraçar-me. a terra viva. na paisagem vejo os corpos de carne e água. já não faz frio lá fora. dizes. ainda em murmúrio. suspiras pousando a tua cabeça no meu peito. ficamos ali como se fosse eternamente naquela espuma de todo o silêncio que abraça o início do amor. em corpo extenso sombra de um corpo a ser sombra do outro. o sol existe. eu vejo o seu rastro. cheira a chama alta a luz forte. pousas o queixo no meu peito, e os teus olhos têm o tamanho de todas as palavras e de todos os números possíveis para descrever o maior amor de mundo. os teus olhos são bonitos de criança que gosta da árida nudez solar. os teus olhos são grandes bonitos cor de mar transparente cor de alma intacta. pousas o queixo no meu peito e dizes. és só tu que me vês. como uma pequena gota, uma sílaba do vento, uma poeira nos sonhos. a isso chama-se amor, sabes? e plenos nos confundimos, sabes? e tu também me amas. dizes segura de ti. porque não é possível escrever sobre amor como se essa experiência não tivesse nunca ocorrido.
e nós fazemos acordar todos os ruídos puros do mundo.
13 comentários:
Lindo, lindo, lindo!
Acreditar que o amor nos pode salvar é uma ideia muito romântica. Demasiado romântica para não dizer idílica.
Mas eu acredito. Belíssimo!
"e os teus olhos têm o tamanho de todas as palavras e de todos os números possíveis para descrever o maior amor de mundo."
Esta sequência é lindíssima! Escreves muito bem. E mais do que isso tens a capacidade de traduzir por palavras todos os sentimentos. E disso não vais nunca conseguir fugir. Por mais que teimes...
Notável, amigo! Notável!
Gostei muito deste texto e agrada-me a ideia do título.
" no repouso do meu corpo estás tu a irradiar de todas as esperas que te antecederam. todas as esperas de uma vida cheia de todos os sonhos mais escuros, cheia de todos os gritos sufocados em todas as gargantas do mundo, cheia de todas as maiores dores de todos os infinitos sem limites, uma vida cheia da tua ausência, um fardo de todas as trevas desde a criação dos infernos."
citação roubada.
abraço
Este texto vale cada minuto que se gasta a lê-lo.
Bom dia!
Eu também adorei o texto!
Stella
"a dor de ouvir o sol ecoar neste corpo vazio."
clap, clap!!!
Muito bom!Vale a pena ler de novo.
vocês... :-)
não paras de me surpreender.
Bá
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