quinta-feira, setembro 04, 2008

"O dia antes da eternidade": os delicados murmúrios do suicídio

Imagino a blogoesfera como uma infinita rua por onde gosto de caminhar. Refaço grande parte do meu dia-a-dia por cá. Acordar e ler as notícias da manhã/tarde. Saudar um ou dois amigos com quem me cruzo nos seus espaços. Discutir as trivialidades. Os textos que cada um de nós vai deixando. O Sporting que ganhou, a nocturna chouriça assada das 5ªf na Adega Transmontana. Os jantares de Sábado. Nestes recalcares diários, tal como na vida carnal, sou muito receoso e pouco dado a sucessos em novas cumplicidades e entusiasmos. Soçobro, não raro, a um mero esgar anónimo sobre algum pormenor mais simpático. Há, como em tudo, raras excepções. Cada qual com o seu atractivo. Falo, hoje, de um deles que se traduziu recentemente em livro. O dia antes da eternidade da Joana Aguiar. Não conheço a Joana Aguiar nos seus maiores pormenores. Não a conheço. Gostará de torradas com manteiga? De coca-cola e batatas fritas? Perderá tempo a vestir-se? Passeará sozinha? Acariciará no seu regaço um pequeno animal de estimação nos dias mais tristes? Não sei. Como nada sei de muitos outros elementos intensificadores da minha vida. Ora sei apenas como o seu amor pela poesia passa pelos rostos que nos deixa, por todos os corpos que desenha numa relação tão viva com a morte e o medo. A sua capacidade de escrever com um estilo simultaneamente familiar (veja-se o extraordinário acróstico Dos nomes, p.70) e erudito não pára de me surpreender e, diria mesmo, para ir no seu encalço, de me arrebatar. Há nos textos dela uma qualidade invulgar que se inicia no próprio título: "O dia antes da eternidade". Todo o livro se lê em estado de encantamento, em catadupa vertiginosa sobre os elementos da genialidade que tornam as noites mais longas. Agrada-me sobretudo que os enredos (que existem) não sejam prioritários. Gosto da confusão de quem cedo (muito cedo) descobriu o seu lugar de Sísifo e a consequente responsabilidade de escrever "rumo ao fim do tempo" (p.50). Este livro, feito de fragmentos, é também o relato de um amor que se desenvolve na luz dos candeeiros que nos inebriam. E é composto de seres (humanos?) espantados de existirem e por já não morrerem hoje. (cf. 92). Eu, que prezo o gosto de apreciar as pequenas partículas do ar, se não o tivesse lido, teria ficado irremediavelmente mais pobre.


2 comentários:

Coccinella disse...

Tozé,

Não poderás imaginar o quanto me afagou este teu texto, num momento mais frio. Das palavras, suspensas no ar para te lerem, apenas uma irrompe: Obrigada.

:)

Beijo atlântico!

A.S. disse...

Não há nada para agradecer. :-)