sábado, setembro 01, 2007

O hábito da melancolia

O mais antigo silêncio apoderara-se da sua vida. Não o silêncio dos olhos tímidos. Os seus olhos eram olhos de silêncio, mas olhos de silêncio solitário, olhos de silêncio solitário abandonado. Os seus olhos eram de um silêncio nunca ouvido. Um silêncio impossível. Um silêncio de água calada, um silêncio saído da fundura da dor. Um silêncio roubado aos gritos da morte, da perda, da mágoa e da desilusão. Um silêncio desumano, liso e inerte. Um silêncio roubado à mudez da boca daquela que já não vê. Um silêncio de vazio escutado; de vertigem perdida nas palavras gastas com o corpo dela. Um silêncio que é nódoa num olhar outrora de luz clara. Um silêncio alto, negro como rocha que enfrenta a pressão do mundo e os murmúrios dos barcos sem sinais de vida. Um silêncio de verdade. De verdade como as palavras simples. Aquelas que os Deuses ocupam. Um silêncio de verdade. Da verdade que oculta as relações entre as gotas de água. Um silêncio de quem sabe que não se pode confundir as palavras com o amor. Um silêncio que é fim sem fim como corpo que se descobriu em todos os outros em que tocou. Um silêncio que marca como pés crestados sobre a areia. Um silêncio a ser o preciso contrário da alegria. Um silêncio onde só acontece o seu próprio desassossego. Um silêncio que fere o corpo de exaustão apesar de ser impossível ver-lhe o mais breve movimento. Um silêncio de palavras pequenas. Um silêncio de um amor recusado, do amor mais bonito mais fundo mais único mais puro como o dos lobos pela lua a ser recusado. Um silêncio como a dizer que não sinto nada, como se tudo o que nos torna humanos tivesse fugido com ela. Um silêncio das noites em que questionamos sem esperança todas as perguntas do mundo sob as estrelas que rasgam o manto do céu escuro. Um silêncio onde o tempo passa por obrigação ou por medo de ser ir embora. Um silêncio de vapor quente que ocupa o espelho do quarto. Um silêncio de milagre concretizado. Um silêncio que nos diz que ele quisera morrer.

3 comentários:

Anónimo disse...

olá. encontrei o seu blogue hoje de tarde. vim cá ter porque estava a procurar textos sobre a IVG para o meu trabalho final de curso e o seu blogue constava numas páginas do google.

vou voltar para continuar a ler o que tão bem escreve.

parabéns, pelos textos e pela atitude que teve ao publicar aqueles textos sobre a IVG.

A.S. disse...

ok, obrigado! sê bem-vinda.

Anónimo disse...

grande texto monhézito!