Há algumas coisas que me chateiam. Uma delas são as pessoas que não sabem ser. Não é as pessoas que não o sabem ser. É só pessoas que não sabem ser. Não falo de carácter. Falo antes daqueles que vivem em lugares cada vez mais periféricos do seu coração. Da sua condição. Da sua idade. Falo daqueles que vivem de arquétipos e de paradigmas. Falo dos que têm vergonha da idade que lhes corre nas memórias e gostam de ser mais velhos. Os que querem ser mais novos, com os seus corpos bronzeados e trejeitos "bué da jovens", são apenas uma inclinação de luz sobre uma imensa estrada de encontros e desencontros. Até os desculpo. O que eu não suporto realmente são os velhos por afinidade. Os que desde cedo sentem a passagem das estações nos ossos e que começam a tomar o gosto turvo do irreversível. Estas pessoas estão longe. Como disse Agustina, vivem numa «contemplação carinhosa da angústia». Querem ser rápido. Anseiam por consideração. Por serem chamados à conversa, interpelados. Querem ser elogiados pela sobriedade dos seus motivos e pela exactidão dos seus actos. São responsáveis e apenas desejam que outras mãos os vejam como mãos de confiança. Vestem-se. Aprumam-se. Penteiam-se. Cobrem-se todos de uma expressão maciça de sentimentos nobres e sociáveis. Falam pausadamente. São ponderados. Para eles tudo se explica. Procuram verdades e nunca se deparam como a novidade. Administram sabiamente a tristeza. É a vida, é o lema deles. Esquecem-se da poeira que se levantava de cada vez que corríamos, da água que transbordava de cada vez que saltávamos desamparados para a piscina, de como o corpo espancado pelo sol sua depois dos dias de felicidade no Verão. Adapto o que escreveu Breton, para dizer que estes velhos só conhecem a felicidade pelo barulho que ela fez ao partir. São tristes. Arfantes. Cansados. Gastos. Vencidos. Sem vida absoluta, aquela que, intensa, rasga as persianas e nos chama para a praia, para a água, para o barulho agitado da alegria dos mergulhos de cabeça junto à rebentação das ondas. Estes velhos não vivem sozinhos. Vivem com os empréstimos e com os almoços de domingo na casa dos pais. Vivem da responsabilidade organizacional que depende da vontade e disponibilidade da namorada. Vivem do repouso espreguiçado que os leva a cumprirem horários que ninguém conhece. Transformam-se numa espécie de instalação precária de um ser humano. Alguém quase parecido com quem conhecemos. Algo na vida deles se empobreceu. Eu chamo-lhe a aceitação deslumbrada das evidências. Separa-me deles o uso que dou aos instrumentos de sobrevivência que aplico todos os dias. Nunca aceitarei a morte. Para isso, já me basta saber que vou morrer.
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2 comentários:
Vou repetir-me mas cá vai: o que aqui dizes também eu já o escrevi no Narcisicamente. =)
é plágio!
se fosse a ti, malhava-me! salvo seja, claro... :-)
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