quinta-feira, junho 14, 2007

Vou largar tudo.

Olho-me na vida como se tudo estivesse prestes a desabar. Gostava que os pedaços de pessoas obscuras se cruzassem comigo. Todos os instantes deveriam servir para que eu viajasse. Sempre com o intuito de partir de todos os lugares aonde chegar. Assim, nunca vou chegar, realmente, a lugar algum, mas sentir-me-ei feliz e, sobretudo, anónimo. Ao contrário do que dizes, viverei eternamente nesta incerteza como quem sonhou com mares e cidades que não existem nos mapas. Se há coisa que conheço em mim é a capacidade de fugir. Fujo, desde sempre. Eu sei, eu sei que o melhor seria ficar por cá, junto de uma fértil família, onde o tempo é parado, os dias cómodos e as noites seguras e equilibradas. A vida ser-me-ia muito favorável. Uma grande casa com imenso espaço para acumular pó, responsabilidade no trabalho e notariedade nas amizades. Mas tudo isto me enoja. A minha vida, neste preciso momento em que te escrevo, dá-me náuseas. Perguntas-me, tantas vezes, porque é que gosto obsessivamente do mar. Pois bem, apenas quero sentir o verdadeiro volume das coisas. Hoje, sinto que a minha vida anula o verdadeiro conhecimento, porque tenho uma estabilidade inimiga da criação, que me retira o sentido da procura. A procura - o tal mar que tanto quero - capaz de me fazer ultrapassar os limites do meu quotidiano. Sou, neste momento, uma estrutura muito pouco entrópica. Estou farto de ter uma vida rectilínea. Quero, como já disse, tentar viver em círculo onde todas as coisas podem ser restituídas. Não sei como mais e melhor me explicar. A subjectividade que busco (pode, como quiseste dizer, ser conscientemente fragmentada) é a de alguém aberto para o exterior quotidiano pela ausência quase absoluta de si, sem viagem de regresso, morrendo eternamente nas coisas que me circundam. Uma viagem sem sentido, objectivo ou destino. Mas a única viagem possível.

2 comentários:

Sónia Balacó disse...

"Hoje, sinto que a minha vida anula o verdadeiro conhecimento, porque tenho uma estabilidade inimiga da criação, que me retira o sentido da procura."

É por isso que eu sei que neste desiquilíbrio que habito agora se funda um novo espaço para criar. Porque tudo me empurra de mim contra mim, porque não consigo andar em linha recta. Sacrificar a vida em prol da literatura - a utopia.

Mas vejo que partes, mesmo que digas que não. Partes e partes-te. Tens deixado os cacos aqui.

Anónimo disse...

creio que te faltam duas coisas: quereres ser responsável, tomando as rédeas da tua vida, e, cliché dos clichés, acreditar mais nas tuas (evidentes e sempre demonstradas) extraordinárias capacidades.

abraço