terça-feira, maio 15, 2007

Continuam as associações...

Agora mesmo, e uma vez que moro num sítio ainda demasiadamente próximo do recinto das queima das fitas, fui forçado a ouvir uma música do Paulo Gonzo (sim, reconheci-lhe a gritaria) que era mais ou menos "sei-te de cor" e mais não sei o quê. Lembrei-me de um poema de Alexandre O'Neill e de como os poetas são sempre muito mais assertivos do que este senhores da vida.

Seios


Sei os teu seios
Sei-os de cor.

Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.

Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais.

Quem comparou os seios que são teus
(Banal imagem) a colinas!

Com donaire avançam teus seios
Ó minha embarcação!

Por que não há
Padarias que em vez de pão dêem seios
Logo pla manhã?

Quantas vezes
Interrogaste, ao espelho, os seios?

Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!

Quantos seios ficaram por amar?

seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!

seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em desesperadas, quarentonas lágrimas...

seios fortes como os da liberdade
- Delacroix - guiando o Povo.

seios que vão à escola pra de lá saírem
direitinhos para casa...

Seios que deram o bom leite da vida
A vorazes filhos alheios!

Diz-se rijo dum seio que, vencido,
Acaba por vencer...

O amor excessivo dum poeta:
"E hei-de mandar fazer um almanaque
da pele encadernado do teu seio"
(Gomes Leal)

Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!

Arrulho de pequenos seios
No peitoril de uma janela
Aberta sobre a vida.

Botas, botirrafas
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!

Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!

"Oculta, pois, oculta esses objectos
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêem com olhos indiscretos"
(Abade de Jazente)

Raimundo Lúlio, a mulher casada
Que cortejastes, que perseguistes
Até entrares, a cavalo, p'la igreja
Onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou
("É isto que amas?")
De repente a podridão do seio.

Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios...

Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...

Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou...

Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!

Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne.

Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser.

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