Nota: os textos que aqui exponho podem não estar "ipsis verbis" com os que foram publicados, uma vez que os recebi muito antes da sua comercialização.
Odete Santos
Advogada
Deputada do PCP
O Senhor Ministro da Saúde tem um relacionamento difícil com o Serviço Nacional de Saúde, toda a gente o sabe!
Acossado pela demagogia dos partidários do NÃO, que nos seus luxuosos e caros outdoors agitam como fantasmas o dinheiro que se irá gastar nos hospitais com as IVG’s, optou por, de forma “gauche”, como um molengão aperto de mão, ameaçar as mulheres com a exposição da sua identidade se recorressem ao aborto no SNS. Segundo o Senhor Ministro as mulheres que quiserem manter o anonimato terão de recorrer às clínicas privadas.
Desta forma julgou ter salvo o SNS de gastos excessivos (os gastos são sempre excessivos no que toca ao direito à saúde) e acabou por cair noutra das armadilhas do NÃO que com despudor afirma que a despenalização do aborto faz florescer o negócio das clínicas privadas.
O que desde logo confrange nas declarações do senhor Ministro Correia de Campos é o desconhecimento da lei que rege a protecção da privacidade na área da saúde.
Sim, senhor Ministro! O acesso à IVG no SNS está protegido pela Lei de Protecção dos Dados Pessoais que classifica os dados relativos à saúde como dados sensíveis, relativamente aos quais não só os médicos, enfermeiros, parteiras, mas também, todas pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento desses dados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções.
Assim, as mulheres que recorrem à IVG nos Hospitais Públicos são para estes tão “anónimas” como as que preferiram as clínicas privadas.
Verdadeiro anonimato só o haverá nas clínicas clandestinas e noutros meandros do aborto também clandestino.
Aí onde não se cobra IVA, onde não se paga IRS pelos serviços prestados, onde não se aceitam cheques para que não haja riscos.
Mas da perda destes impostos não curam os partidários do NÃO, o que faz acentuar a hipocrisia de quem sabe que os abortos se continuaram sempre a fazer, seja ele legal ou não, de quem não quer saber da defesa dos embriões e dos fetos (apontem com os dedos de uma mão só, aqueles do NÃO que defendem os direitos das mães trabalhadoras) o que faz acentuar a hipocrisia de quem se basta com a criminalização das mulheres, de quem entrava o planeamento familiar, de quem considera pecaminosa a educação sexual. A hipocrisia de quem, fomentando o negócio clandestino do aborto com a oposição a uma nova lei, fomenta, de facto, o rendoso negócio do aborto inseguro. O que é clandestino é mais caro, pois no preço são contabilizados os riscos de um processo judicial e das suas consequências. O que é clandestino resulta numa economia paralela de que ninguém, a não ser os que a essa actividade se dedicam, beneficia.
O que é clandestino resulta no ostracismo social das mulheres.
Os partidários do NÃO, a quem as declarações do senhor Ministro vieram dar um inesperado apoio, são sumamente hipócritas, já que criam nos serviços hospitalares as condições para que sejam rejeitados os cuidados com a saúde reprodutiva das mulheres, para depois virem clamar contra as clínicas privadas dos abortos legais que, dada a sua militância do NÃO (anti-feminina) são muitas vezes o último e único recurso. Estes militantes, que se alimentam do obscurantismo, que cultivam um conceito de mulher sofredora, submissa, obediente, pecaminosa e criminosa, fazem o mal e a caramunha! São “lídimas” excrescências de todos os movimentos que, na Polónia, na Irlanda, nos EUA, até na França praticam actos de violência, por vezes extrema, contra as mulheres.
Abusam, pois do Direito, quando, criando as condições para que o SNS não funcione, criticam as inevitáveis consequências. O aparecimento das clínicas privadas de abortos legais.
Sim, senhor Ministro! Os serviços na sua dependência, nomeadamente a Direcção Geral de Saúde, deveriam ter sido instruídos para divulgar os dados relativos às despesas hospitalares com o tratamento das consequências dos abortos clandestinos. Que só no ano de 2005 terão sido segundo a DGS, cerca de 18.000.
Porque se nós, no SIM, não temos dinheiro para outdoors que proclamem “SIM, conta a delapidação de dinheiro públicos no tratamento das complicações de aborto clandestino”, “SIM, contra o ostracismo social das mulheres”, esperávamos que a voz do responsável do Ministério da Saúde, fizesse chegar as mensagens da OMS, no seu último relatório sobre a situação do aborto no mundo, publicado em 2004: “Quando o aborto é feito por pessoas qualificadas usando técnicas correctas e em condições sanitárias, é um procedimento cirúrgico muito seguro.”
Os abortos clandestinos e as suas consequências, estão hoje integrados na classificação das questões de saúde pública, cuja resolução consiste uma tarefa do Estado. Assim trata essa realidade a OMS, chamando-lhe o “persistente problema de saúde pública”. A Revista científica The Lancer chama-lhe a “pandemia do aborto inseguro”.
Sá assim não o querem entender os militantes anti-femininos que reduzem as questões da saúde pública às doenças infecto-contagiosas. Num conceito medieval de saúde pública.
É assim que os problemas de saúde pública têm de ser resolvidos pelo Estado, não apenas com medidas sanitárias, mas com todas as medidas que contribuam para que a pandemia seja debelada.
No caso do aborto com uma nova política criminal. Que é isso que temos em debate. Instrumentos do Código Penal, e não qualquer problema de consciência.
O legislador não cura do pecado.
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1 comentário:
confesso q n tenho uma opinião definida em relação a este assunto. custa-me um pouco tomar partido de um lado pois vejo pontos fortes em ambos. contudo, n considero nunca argumento suficiente para o SIM, o facto de os abortos clandestinos existirem. não me parece suficiente, mas antes redutor.seria uma clara vantagem e progresso se o processo se passa-se a fazer "como deve ser", mas n me parece q pelo facto de se fazer clandestinamente seja argumento suficiente para a legalização. Sendo assim facilmente se poderia comparar à legalização das drogas e à prostituição (acabando com o tráfico e todo um mundo podre) e usar este mesmo argumento...
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